quarta-feira, 14 de abril de 2010

Paraíso perdido ou reencontrado?

Ao se percorrer a história das atitudes maternas, nasce a convicção de que o instinto materno é um mito. Não encontramos nenhuma conduta universal e necessária da mãe. Ao contrário, constatamos a extrema variabilidade de seus sentimentos, segundo sua cultura, ambições ou frustrações. Como, então, não chegar à conclusão, mesmo que ela pareça cruel, de que o amor materno é apenas um sentimento e, como tal,essencialmente contingente? Esse sentimento pode existir ou não existir; ser e desaparecer. Mostrar-se forte ou frágil. Preferir um filho ou entregar-se a todos. Tudo depende da mãe, de sua história e da História. Não, não há uma lei universal nessa matéria, que escapa ao determinismo natural. O amor materno não é inerente às mulheres. É "adicional".

Se devêssemos traçar a curva desse amor na França nos últimos quatro séculos, obteríamos uma sinusoidal com pontos altos antes do século XVII, nos séculos XIX e XX, e pontos baixos nos séculos XVII e XVIII.Provavelmente seria necessário inflectir a curva para baixo a partir da década de 1960, para marcar um certo refluxo do sentimento materno clássico, e fazer aparecer, conjuntamente, o início de um novo traçado de amor: o do pai. Aparentemente, o amor materno não é mais o apanágio das mulheres. Os novos pais fazem como as mães, amam os filhos como as mães os amam. Isso pareceria provar que não há maior especificidade do amor materno do que do amor paterno. Significaria que não há mais especificidade dos papéis paternos e maternos, e que se tende, cada vez mais, para a identificação do homem e dá mulher?

É verdade que, vistos de costas ou de longe, vestidos e penteados da mesma maneira, o rapaz e a moça tendem a ser confundidos. Menos peito, menos quadris e nádegas entre as mulheres. Menos músculos e ombros entre os homens. O unis-sexismo existe, pelo menos em aparência.

Do ponto de vista psicológico, já não se sabe muito bem hoje o que distingue o menino da menina. O Congresso Internacional de Psicologia da Criança realizado em Paris sobre esse tema, em julho de 1979 teve dificuldade em circunscrever as diferenças. Segundo suas conclusões, nada prova que a passividade esteja reservada às meninas, como tampouco a receptividade à sugestão ou à tendência a se subestimar. Nada prova, ainda, que o gosto da competição seja mais comum entre os meninos, nem o medo, a timidez e a ansiedade entre as meninas. Que os meninos tenham tendências dominadoras, e as meninas, uma maior capacidade de submissão. Nem mesmo que os comportamentos ditos "maternos" ou "nutritícios" sejam mais especificamente femininos do que masculinos. E, de fato, o tradicional "papai lê e mamãe costura" está em vias de se modificar. Mamãe pode ler e fazer pequenos consertos, enquanto papai troca fralda e dá a mamadeira. Ninguém mais se surpreenderá.

Significa isso que o pai é idêntico à mãe? E se assim for, que conseqüências traria isso para a criança? A essas duas perguntas fundamentais para o futuro da humanidade, ninguém pode responder com certeza. Pode-se, no máximo, levantar duas hipóteses contraditórias.

Os psicanalistas são unânimes em ver nessa identificação dos papéis uma fonte de confusão para a criança. Como, dizem eles, poderá ela tomar consciência de seu sexo e de seu papel? A quem se identificar para tornar-se adulto? A criança, menino ou menina, só adquire uma sólida estrutura mental após superar o complexo de Édipo, isto é, uma relação triangular e oposicional. Que será dela se papai e mamãe forem a mesma coisa e não oferecem mais referenciais sexuais diferenciados? E se o pai encarna indiferentemente a lei e o amor materno, conseguirá jamais a criança crescer e superar o período infantil da bissexualidade? Finalmente, se a mãe deve, segundo os psicanalistas, encarnar o amor (irracionalidade) e o pai, a lei universal, a confusão dos papéis só pode engendrar a perda de razão. Só haverá aí, portanto, um processo de desumanização, fonte de psicose e de infelicidade.

Outros, otimistas e crentes incorrigíveis no progresso humano, talvez digam o inverso. Verão no unissexismo a estrada real para a bissexualidade, ou a completeza há tanto tempo sonhada pelos homens. Recordar-se-ão do mito de Aristófanes, e daquela criatura andrógina, "dois em um", que simbolizava o poder e a felicidade humanos antes que os deuses se sentissem ameaçados e os punissem cortando-os em dois. Afinal de contas, por que o homem e a mulher de amanhã não recriariam esse paraíso perdido? Quem pode afirmar que a desordem nova criada pela confusão dos papéis não será a origem de uma nova ordem mais rica e menos coerciva?

Abstenhamo-nos de responder a estas perguntas, que são do domínio da futurologia, ou da mitologia. Mas registremos, simplesmente, o nascimento de uma irredutível vontade feminina de partilhar o universo e os filhos com os homens. E essa disposição modificará, sem dúvida, a futura condição humana. Quer prenunciemos o fim do homem ou o paraíso reencontrado, terá sido Eva, mais uma vez, quem modificou a distribuição das cartas.

Elisabeth Badinter.

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