quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Dentro de Mim

No subterrâneo de meu ser
Existe uma flor despetalada,
Uma criança desnuda,
Existe uma fonte chorosa.

Existe um rosto apagado,
Um retrato rasgado,
Um bilhete riscado.

Existe no meu ser
Uma caneta que me fala,
Um papel onde copio,
Frases embaralhadas,
Pensamentos que desafiam.

Existe uma lembrança,
Uma casa,
Um pedaço de chão...
Onde mal cabem meus sonhos
Mal traça meu rosto;
É um espaço vazio,
Só há pedaços mais nada.

Maízia Seal Carvalho Pamponet.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Euthymia.

Hoje assisti a um filme simples, leve, divertido, sem muita profundidade em seu conteúdo, mas que, de alguma forma, fez-me refletir sobre um de meus temas favoritos: a felicidade. Afinal, quem não deseja ser feliz acima de tudo? quem não gosta de vivenciar bons momentos, ainda que esses sejam frágeis e tão efêmeros ? A sensação de estar feliz, mesmo que por poucos minutos, é indescritível, totalizante. Sentimo-nos no topo do mundo e, naquele momento, nada nos pode atingir. Parece que estamos flutuando no ar, em uma imensidão muito vaga, mas prazerosa.

Então me pergunto: o que causa a felicidade? Seria ela ocasionada por situações vivenciadas em momentos específicos? Ou o reflexo do modo como vemos a vida? É possível ser feliz sem antes ter o referencial da tristeza? Não sei. São perguntas que me faço há tempos, sem nunca, entretanto, encontrar um resposta concreta. A cada momento acho uma coisa, mudo de opinião. Há dias em que, para mim, o dinheiro funciona como sinônimo de felicidade. Há outros, porém, em que penso o contrário. E a dúvida não pára. Ela me persegue, sempre.

Hoje, tive uma experiência peculiar. Após o filme acabar, minha colega, Isabela, chegou a minha casa. Não sei o motivo, mas a presença dela foi suficiente para me deixar feliz, sorridente. O fato de ter alguém ali era o bastante para que minh'alma fosse tomado por esta nobre sensação. Sentia-me completo. Não fiquei entusiasmado nem efusivo, mas feliz, oras. Feliz comigo mesmo. De poder ter ao meu lado uma das pessoas mais incríveis que conheci. Feliz por sentir calor, sentir o vento, sentir o suor escorrendo, por poder falar, conversar, rir, ver...feliz por poder sentir um misto de sensações que se tornavam apenas uma: a felicidade. E isso era tudo.

Depois que Isabela foi embora, fiquei sozinho. Mas aquele sentimento não me havia deixado. Fui até a sala e observei uma orquídea. Suas pétalas brancas, o caule verde, toda delicadeza refletida na mais bela harmonia entre suas partes...Naquela flor, tudo era tão puro que podia-se ver até as impurezas necessárias à perfeição. Sentir texturas tornava-me feliz. Tudo muito contemplativo. Muito calmo. Neste momento, minha felicidade não era agressiva, ela se refletia muito mais em meu interior que em meu exterior. Seria impossível que alguém notasse o quão feliz estava, apenas eu o era capaz.

Então, agora, eu me vejo em um momento reflexivo: como estes momentos pequeninos conseguiram atingir profundamente meu interior? Tenho certeza de que em outro dia qualquer teriam passado despercebidos. A orquídea da sala não é nova. Na verdade, há 1 ano que ela está lá, e eu nunca havia notado sua beleza, nunca havia tocado suas pétalas. Talvez nunca tivesse notado, também, o quanto a companhia de minha colega me faz bem, embora sempre soubesse de sua importância para mim. Tudo simples e frágil, qualquer desequilíbrio poderia quebrá-lo. Era como um vaso de cristal que está prestes a cair no chão e fazer-se em pedaços.

Bem, o vaso não se quebrou. Apenas o guardei. Ou arrancaram-no de mim? Não sei, mas aquele sentimento de outrora esvaiu-se no tempo, como o aroma das flores a dissipar-se no espaço. E tudo ficou vago. Veio a neblina. Chegou o vendaval e uma enorme cortina de poeira formou-se, mas a imagem da orquídea, com suas pétalas brancas e puras, ainda era visível. O importante é saber o caminho para chegar a ela, novamente.


Se Sou Alegre ou Sou Triste?

Se sou alegre ou sou triste?
Francamente, não o sei.
A tristeza em que consiste?
Da alegria o que farei?
Não sou alegre nem triste.
Verdade, não sou o que sou.
Sou qualquer alma que existe
E sente o que Deus fadou.
Afinal, alegre ou triste?
Pensar nunca tem bom fim…
Minha tristeza consiste
Em não saber bem de mim…
Mas a alegria é assim…"

Fernando Pessoa.









quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Amor platônico.

Alguns dias antes de viajar para o interior da Bahia, enquanto estava sentado em frente ao meu computador, conversando no MSN; minha irmã me perguntou : "Ítalo, você já se apaixonou?". Respondi rapidamente: "NÃO!". A resposta saiu quase que de forma mecânica de meus lábios. Foi um "não" seco, ríspido. Logo depois, outra pergunta : "Se algum dia você se apaixonar, me conta? Não né?". Eu respondi, mais um vez, " Não." Ela saiu de meu quarto, e eu fiquei pensando em minhas respostas, será que aquilo que havia respondido tão prontamente verdade?

Sinceramente, não sei. Eu sou muito crítico. Acho defeitos nas pessoas. Na verdade, procuro defeitos nas pessoas, para poder comentar. E isso acaba criando uma barreira que me impede ter algum tipo de relação. Eu olho para as pessoas e faço um comentário maldoso, sarcástico, depreciativo. Raras são as vezes em que elogio alguém. Nem mesmo minha mãe, irmã ou pai fogem às minhas críticas. Não sei por que sou assim, mas infelizmente o sou. Lembro que, em uma época, eu corrigia todos gramaticalmente. Ninguém podia errar uma besteira qualquer que o erro era logo apontado por mim.

Mas isso nem é o problema maior. O pior é que, por algum motivo, não consigo conhecer pessoas novas. Sempre que me apresentam algum desconhecido, ou alguém com quem não tenho muito contato, vem-me algo e minha arrogância, que não é pouca, aflora. Como se fosse automático, não consigo controlar. Fico pedante, chato; o meu ego aumenta e sufoca todos que estão ao meu lado. O resultado é que, ao fim, não consigo conhecer ninguém novo.

E aí é que está o problema. Como se apaixonar se tenho um mecanismo que me impede de conhecer alguém que possa ser interessante? É praticamente impossível. Além disso, outro grande defeito é ser descrente de qualquer sentimento que não os meus. Honestamente, não creio em amor. Nunca acreditei. Para mim é só uma ilusão. Não posso conceber que duas pessoas se gostem tanto a ponto de se casar e viver a vida toda juntos. Para mim, é mais um convenção. Casamos porque é bonito aos olhos dos outros, mas não porque amamos. Passamos a vida ao lado de alguém por convenção, porque ficar "trocando" de parceiro ou parceira não é bem visto aos olhos da sociedade. Sei que é um pensamento um tanto pessimista, mas é no que acredito´, ou acreditava.

Há algum tempo, conheci algumas pessoas, ou uma pessoa em específico, que me fez repensar. Fiquei espantado com idéia de realmente gostar de alguém. Estaria eu apaixonado? Fiz de tudo para negar isso. Olhei para a questão da forma mais racional possível. Não, não estava apaixonado ou amando, era somente uma atração física, uma carência talvez. Mas não paixão, amor nem pensar. O problema é que o tempo foi passando, e essa minha atração não se acabou. Aí entrei em desespero. O que seria isso que estava sentindo? Uma mera atração física não poderia durar muito tempo. Resolvi livrar meus pensamentos disso e focar em uma coisa qualquer. Mas não conseguia. Tinha de admitir, estava apaixonado; eu acho.

Porém, era algo meio impossível de se realizar. Digamos que era uma utopia. A pessoa de quem gostava estava distante, inalcançável. O que eu poderia fazer? Absolutamente nada. Ficar preso a projetos irrealizáveis que eu não podia ficar. Entretanto, sentimentos não acabam quando queremos. É preciso esperar que o tempo passe, para ele ir morrendo a cada instante um pouco. Ir-se apagando, até findar por completo. Então, voltarei a meu estado de sozinho, mas feliz.


Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar,desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

MÃE.

Um dia chegou a notícia...
Eras tu quem vinha...
A alegria tomou conta de mim,
fazias parte de meu ser.
Meu alimento era teu alimento, meu ar teu oxigênio,
Minha voz tua música.

Teu movimentos eram minhas massagens,
Minha dor era tua chegada...

Chegaste
No dia 28 de Março de 1992, seis horas da tarde...
Uma noite sem dormir ouvindo o choro que me fazia ninar,
O suspiro que me fazia amamentar,
O soluço que angustiada tentava acalmar...

O primeiro sorriso...
A primeira palavra...
Os primeiros passos...
A primeira escola...
As primeiras escolhas...

E a independência chegara,
Antes, porém, tantas noites sem dormir,
O nariz tapado, o ouvido doendo, a garganta inflamada,
Os olhos ardendo, a gripe, a febre...
Mas que tudo, era o amor que movia
Cada dia de mãe calejada.

E nas marcas do rosto, os vincos de preocupação.
Surgia um cabelo branco daqui, uma nova ruga dali,
Natural de mãe de amor incondicional.

Tantas vezes me fez rir, tantas outras me fez chorar.
Hoje apenas posso lembrar
Os momentos de carinho que um dia senti,
Na infância e inocência que um dia vi em ti...

O passado acalenta o presente tão duro.
Dissipa a dor das palavras sem cor,
Do sorriso sisudo de quem não que mais sorrir.
Do carinho perdido que nunca mais senti.

Mas o brilho dos teus olhos em cada conquista tua,
Me faz da vida uma alegria e posso sorrir,
Ainda que por dentro e longe de ti,
Por tuas conquistas, por tua labuta,
Por tuas alegrias...
Filho meu, que ajudei a construir.

De: Maízia Seal Carvalho Pamponet.
Para: Ítalo Seal Carvalho Pamponet.

A máquina de lavar roupas.

Sinceramente, a minha época preferida do ano é o natal... Todo o clima de alegria e felicidade e pessoas ganhando e gastando dinheiro tão rápido quanto conseguem (gastando mais do que ganhando, obviamente. para que mais serve o(s) cartão (ões) de crédito?). Eis que numa dessas idas ao shopping - passeio relativamente tranqüilo, se você não for atropelado por nenhuma criança no percurso - encontramos essa coisinha fofa. A "Mini Lavadora Eggo da Brastemp" nos olhando da vitrine. Fazendo jus ao nome, em forma de ovo, com um design maravilhoso, dá vontade de colocar em cima da pia do banheiro pra todo mundo ver. O que é justamente a proposta dela! Ficar ali lavando roupa enquanto você toma banho. A única coisa que eu pensava - confesso... - era que, com ela, eu nunca mais lavaria uma calcinha na vida. Nunca mais! Amo a tecnologia. E vamos olhar o preço dessa belezinha!! Seiscentos reais - assim por extenso pra não haver dúvidas. É, isso mesmo. Como boas negociantes que somos, saímos - eu e mamãe - com a máquina debaixo do braço por 421 reais. Incluindo um ano de garantia extendida e os dois reais do moço que levou ela no carro - ou alguém achou que eu ia levar a máquina literalmente debaixo do braço? Então. Assim que chegamos em casa, abrimos a caixa daquela delícia - orgasmos múltiplos ao coro de 'nunca mais lavar uma calcinha na vida'. E vimos que, infelizmente, nem tudo é tão simples quanto parece (ou quanto o vendedor te diz). Vieram três tubos e uns quatro ou cinco adaptadores de torneira, um manual de mais de vinte páginas, um saco de pano, uma bola maior com uma bola no meio (que até agora não sei pra que serve) além de mais outros vários acessórios... Admito que o design dos tubos, canos e adaptadores de torneira não era tão maravilhoso quanto o da própria máquina. Mas tudo bem. Tudo ótimo. Nunca mais lavar uma calcinha na vida. Só que veio, assim no cantinho da caixa, uma chave de fenda - essa com o design bonitinho, toda bojudinha - e quatro parafusos. Aí foi que eu vi que o negócio ia ser meio - muito - complicado.

Pra começar, a torneira teria que ser 3/4'' pra ela encaixar como o vendedor disse, em um segundo. Obviamente, a torneira do meu banheiro não é de jardim. Então eu realmente precisaria do parafuso e da chave de fenda pra conseguir instalar aquela coisa no banheiro. E no final, não dá. Assim que eu termino o trabalho árduo de girar a tal chave pra lá e pra cá (Não!! Não gira pra cá não, que solta o parafuso e ele cai no ralo, meu Deus do céu...) e abro a torneira é água pra tudo quanto é lado. Mas calma, não é a máquina. É a minha pia. Que é errada, por que a máquina linda é feita pra ficar em cima de um lavabo lindo, só que a torneira do lavabo tem que ser de jardim. Levamos a torneira pra área de serviço, instalamos o adaptador de torneira (outro) e ela funciona!! Claro que espirra um pouco de água, mas eu nunca mais lavo uma calcinha na vida. A gente coloca as roupinhas ali dentro, ela fica toda bonitinha de novo, com uma cara de receptiva. Depois de todas as preliminares, hora de apertar o botão de "ligar" - que é o que eu vou fazer daqui pra frente pra lavar calcinhas! Um segundo. O sabão. E agora? Não tem sabão em pó. Ah, não tem problema. Tem uma medida que vem junto com a máquina, uma colherzinha. Eu encho a colherzinha de sabão líquido e tudo ok. O sabão líquido é menos concentrado do que o em pó, com certeza. Então ao invés de uma, por que não colocar... hm... três medidinhas? Bom, aí realmente não foi erro da máquina. Na hora que eu me sento feliz da vida - não consigo parar de repetir, nunca mais lavar calcinha... - aquela coisinha silenciosa começa a dar sinais de que as coisas não são tão boas quanto parecem. E começa assim, parecendo só. Parece que tem uma bolhinha ali. Ih, olha, tem outra ali. Ai que lindo. Será que as bolhinhas têm design? Mais uma bolhinha. Dez bolhinhas, vinte bolhinhas e ai meu deus do céu não pode molhar a máquina pelo lado de fora. Corre pra lá corre pra cá pega pano enxuga máquina molhou o pano pega outro enxuga máquina enxuga o chão tapa o lugar que tá saindo água tudo sem vírgula se não não dá tempo mesmo!!! Um desespero só. Finalmente acaba o "ciclo ozônio" - que mata tooooodas as bactérias, tira mancha e é perfeito pra lavar adivinha o que? Calcinhas! - e ela entra na parte de drenagem de água. Aleluia, acabou! Sento na cadeira - não mais feliz, só aliviada. - e começo a sentir que tem - mais uma - coisa errada. Tem água no chão. No meu corre corre sem vírgulas, provavelmente tirei do ralo o tubinho molengo por onde a água sai. E aquilo ficou ali no chão. Não tive nem tempo de pensar, taquei o negócio dentro de uma bacia qualquer - já fazendo promessa pra os 20 litros de água caberem ali dentro - e fui enxugar o chão.

Realmente, as calcinhas saíram impecáveis, assim como biquínis ou - eu não duvido - qualquer outra coisa que eu colocar ali dentro. O problema é aqui fora, por que eu não saí tão impecável quanto à "roupas íntimas e delicadas". E não lavei uma calcinha, mas a área de serviço inteira. E lavei bem, vai cheirar a "fofo sabão líquido" por mais de uma semana.

Texto escrito por Carol Amaral.

A Terra.

Na planície avermelhada dos sertões nordestinos, alastra-se, por já 3 anos, uma seca implacável. Acabaram-se as plantações, quase todo o gado havia morrido. Água já não tinha mais. O sol estava a pino, alcançara o ponto máximo. O calor castigava a vida daqueles miseráveis. Ao longe, via-se uma pequena casa, o chão batido, a porta em madeira rústica. Em pé, ao lado da pequena e única janela daquela pobre residência, encontrava-se José Santos Silva, ou como era chamado por lá, “Seu Zé”. Um homem de 51 anos. Mas sua face, castigada pelo trabalho na terra ao sol quente, lhe dava uma aparência de muito mais velho e cansado.

Ainda no mesmo lugar, “Seu Zé” chama por sua mulher. Diz “vamos”. Era chegada a hora da despedida. Zé havia construído toda a sua vida naquela terra seca, com sua pequena criação de gado e o cultivo de alguns produtos agrícolas, nunca tinha pedido muito, era satisfeito com sua vida simples de sertanejo. Mas agora, o gado estava raquítico, e sua plantação não sobrevivera. A hora de se despedir de sua terra era cruel. Vivera ali os melhores momentos de sua humilde vida, se casara ali; aquilo lhe era tudo.

Era seu abrigo, seu conforto. Vivera da terra para a terra, aquela planície avermelhada e seca já fazia parte de sua vida, muito mais do que ele mesmo podia imaginar. Havia uma completa identificação entre os dois, ambos foram castigados pelo tempo, pelo sol quente, pelas chuvas torrenciais que já não mais caiam, pela seca. Eram secos. Zé nunca havia chorado em seus 51 anos de vida.

A mulher saiu de dentro de casa. Fechou-se a porta, a janela; fechou-se uma vida. Começaram a caminhar vagarosamente pelo chão rachado, o sol ia descrevendo uma trajetória sobre eles. Zé olhou para trás, fitou sua casa, olhou para baixo; as forças iam-se-lhe sumindo. Fraquejou, suas pernas tremeram, caiu na terra quente. Uma lágrima escorreu pela sua face. Olhou para a mulher e disse “Quero ser enterrado em minha terra”.

[...]

Sexta-feira e o Sol estava a pino em Salvador. Um calor de 31°C. Dia de ir à praia. Acordei às 7:50 da manhã. Tomei café e esperei meu colega passar em minha casa, para descermos ao Porto da Barra. Então, aproximadamente 8:50h, fui caminhando em direção à praia. Ao descer a tortuosa ladeira, um cenário se descortinava em minha frente. O mar azul e cristalino, os barcos, as pessoas que nadavam, os pescadores. Era uma paisagem contemplativa, que dava vazão à reflexões diversas.

Mas, quando a ladeira da Barra chega ao seu fim, eis que se vê o Porto da Barra. Águas calmas e areia clara. É possível encontrar tipos diversos naquele local. Do burguês à pessoa mais humilde; a baiana de acarajé, o vendedor de queijo de coalho. Todos ali, de pés nus, na areia igualitária. Eu e meu colega esperávamos os outros, que, como bons baianos, estavam atrasados. Entrei na água gelada. Azul, tudo estava azul: o mar, o céu, as pessoas...

Depois de ficar quase 3 horas sob o sol, resolvi voltar para casa. Peguei a mochila que havia levado comigo, enxuguei-me e me pus a subir a sinuosa ladeira que descortina paisagens magníficas, como se saíssem de um quadro. As ruas e calçadas estavam vazias, caminhava só. Às vezes, avistava pessoas, mas logo elas dobravam na primeira ruela que havia. E eu continuava andando naquele vazio. Mas não era um vazio ruim, fazia com que me sentisse bem. Na verdade, nunca tive problemas em ficar sozinho ou em ser só, em alguns momentos. Acho bom e, até mesmo, prazeroso. É na solidão que nos descobrimos.

Finalmente, chego a casa. Já estava praticamente em horário do almoço. Se bem que, quando se mora sozinho, não há horários definidos. Mas de qualquer forma, às 14:10hrs almocei. Depois fui assistir, como costumeiramente faço, ao programa "Estúdio i". Nesse mix de jornal que mistura doses de notícia com entretenimento, estava Suzana Vieira comentando seu papel em "Cinquentinha", Flávia Oliveira falando sobre economia e Paulo Cuenca faz uma crítica sobre a série "Crepúsculo". Devo admitir que estava cansado e acabei dormindo.

Quando acordo, vejo um filme que havia alugado. Lembro meu amigo (Ulisses, que sumiu desde que foi à França). Lembro quando fui a Paris esse ano, mas que já parece fazer tanto tempo. Observo no filme os lugares por que passei, o Boulevard Saint-Germain. Penso em minha irmã que está louca para voltar a morar em Paris. E dessas pequenas besteiras foi constituído meu dia, até agora. Pequenas coisas, minúsculas. Mas contemplativas.


Só o ter

Só o ter flores pela vista fora
Nas áleas largas dos jardins exatos
Basta para podermos
Achar a vida leve.

De todo o esforço seguremos quedas
As mãos, brincando, pra que nos não tome
Do pulso, e nos arraste.
E vivamos assim.

Buscando o mínimo de dor ou gozo,
Bebendo a goles os instantes frescos,
Translúcidos como água
Em taças detalhadas,

Da vida pálida levando apenas
As rosas breves, os sorrisos vagos,
E as rápidas carícias
Dos instantes volúveis.

Pouco tão pouco pesarei nos braços
Com que, exilados das supernas luzes,
Escolhermos do que fomos
O melhor pra lembrar

Quando, acabados pelas Parcas, formos,
Vultos solenes de repente antigos,
E cada vez mais sombras,
Ao encontro fatal

Do barco escuro no soturno rio,
E os nove abraços do horror estígio,
E o regaço insaciável
Da pátria de Plutão.

Ricardo Reis (Fernando Pessoa).

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Fim de ano. Que fica?

Bem, eu nunca tive um blog, talvez porque achasse que era inútil ou algo parecido. Mas, por algum motivo, resolvi criar um hoje. Usarei este espaço para fazer reflexões pessoais e explanar pensamentos sobre assuntos que são de meu agrado.

Para minha primeira postagem, resolvi falar sobre o final do ano que já está chegando. Não sei se já notaram, mas é sempre assim: o ano aproxima-se de seu inevitável fim e vêm à mente pensamentos nostálgicos e melancólicos. Pelo menos é o que acontece com a maioria das pessoas, e, até mesmo, comigo, às vezes.

Para falar a verdade, eu nunca entendi esses pensamentos. Por que ter saudades, sentir-se meloso? Não há motivo. Devemos todos comemorar, afinal é mais um ciclo que se fecha, e, por sorte, chegamos vivos ao fim. Ora, foram feitas novas amizades, algumas, contudo, foram desfeitas; resistimos à passagem do tempo; comemoramos momentos felizes, conquistas; choramos em momentos trágicos; vimos escândalos políticos abomináveis; cenas de violência e intolerância...tantas coisas passaram diante de nossos olhos atentos, prontos para capturar cada uma delas em sua essência. Mas, ao fim, o que ficou?

Infelizmente, não posso responder essa pergunta pelos outros. Então, falarei aquilo que ficou para mim. Alegrias, conquistas, tragédias...nada disso eu guardo. As mudanças foram mais profundas. Atingem a subjetividade, o pessoal; o inatingível. Ficam pensamentos, reflexões, mudanças no caráter, no comportamento, em minha individualidade. E as amizades? Bem, as amizades não ficam. Ficam as pessoas que, de alguma forma, foram importantes para mim. Resenhas? Guardo-as na memória, mas não em minha essência. Tristezas e derrotas? Prefiro embrulhá-las em um pequeno pacote e atirá-las ao lixo. São inúteis, assim como são as conquistas. Não se pode viver do passado. A cada dia há uma nova conquista que se desfazerá no seguinte.

Não sou pessimista. Nunca fui, embora pareça em alguns momentos. Mas sempre tenho uma esperança, mesmo que imperceptível. Por isso ficam minhas expectativas para que o próximo ano seja melhor que este que já se vai. Tenho boas perspectivas. Espero sempre ser melhor, mas não ser o melhor. Gosto de ser bom naquilo que me proponho a fazer, é a razão de esforçar-me tanto. Então, quero ano que vem poder ser menos egocêntrico, menos egoístas e poder contar com meus poucos ( realmente são poucos aqueles de quem gosto) amigos ( Bel, Bia, Mari, Vodu). Quanto a ser mais humilde (muitos dizem que não sou O.o), não, não desejo isso para mim. Se me acham boçal, que pena ( HAHAHA)! Quem me conhece, de verdade, sabe que não sou assim. Por trás dessa pessoa arrogante há alguém melhor. Sempre há!


O Ano Passado

O ano passado não passou,
continua incessantemente.
Em vão marco novos encontros.
Todos são encontros passados.

As ruas, sempre do ano passado,
e as pessoas, também as mesmas,
com iguais gestos e falas.
O céu tem exatamente
sabidos tons de amanhecer,
de sol pleno, de descambar
como no repetidíssimo ano passado.

Embora sepulto, os mortos do ano passado
sepultam-se todos os dias.
Escuto os medos, conto as libélulas,
mastigo o pão do ano passado.

E será sempre assim daqui por diante.
Não consigo evacuar
o ano passado.

Carlos Drummond de Andrade.