sábado, 16 de janeiro de 2010

"Liberdade é pouco..."

"Liberdade, essa palavra/ que o sonho humano alimenta/ que não há ninguém que explique/ e ninguém que não entenda." Com estes versos, Cecília Meireles deixou-nos muito no que pensar. Talvez essa seja a melhor definição que se tenha dado à palavra liberdade. O dicionário é muito simplista no significado de algo tão grande. A busca pelo ideal da liberdade moveu e continua movendo a história da humanidade. A Revolução Francesa, movimento essencialmente burguês, ocorrida em 1789, é o episódio que melhor representa a luta pelo desejo de ser livre. A queda da Bastillha, o uso da guilhotina como símbolo de libertação foram marcantes. Saímos do século XVIII, e chegamos ao século XXI, no ano de 2010, e, mesmo após tanto tempo, tantas lutas, ainda não somos livres. Afinal, o que é ser livre?

É muito comum associarmos a idéia de ser livre, de ter liberdade, ao de independência. Bem, o Brasil é, desde 1822, politicamente independente. A nossa emancipação política não trouxe liberdade. Para validar a afirmativa anterior basta citar que a escravidão perdurou até 1888 (mentira, existe até hoje, mas...). E depois, quando o regime escravocrata acabou, ficamos livres? Obviamente não. Continuamos dependentes do capital estrangeiro. E hoje que temos a dívida externa paga, somos livres? Não. A liberdade plena nunca será alcançada. É um projeto irrealizável, uma utopia. E por quê? Porque necessitamos de leis que regulamentem nossa vida em sociedade. Necessitamos de limites, caso contrário, viveríamos no caos eterno.

Sinceramente, não consigo conceber uma sociedade vivendo em harmonia sem um conjunto de regras que regulamentem a vida do indivíduo em conjunto. Se hoje, mesmo tendo uma Constituição Federal e um enorme código de leis; a situação é caótica, imagine se todo esse aparato não existisse. Deixaríamos os nossos instintos primitivos aflorarem? Mataríamos por comida? Poderíamos roubar? O ser humano ao mesmo tempo em que anseia por liberdade necessita de limites e privações que são essenciais.

O problema é que, além desses limites e privações que nos são imprescindíveis, criou-se um certo padrão repressivo. E esse sim nos tira a liberdade. Os homens tem de malhar e ter um corpo cheio de músculos. As mulheres têm de se alimentar do vento, ficar demasiadamente magras. Temos de falar o português apresentado na Gramática Normativa, pois este é símbolo de prestígio. Temos de nos vestir de tal maneira, porque se não for assim, estamos feios. Temos de consumir a inutilidade. Temos de beber antes da idade permitida, fazer sexo cedo, fumar uma maconhazinha, e uma série de outras coisas. Ou fazemos isso, ou somos excluídos. E ninguém quer se sentir desprezado, então, a única solução é se render a esse padrão.

É a ditadura da contemporaneidade, não muito diferente daquela que acometeu nosso país e tantos outros da América Latina na década de 1960. A diferença é que dessa vez não lutamos contra o "inimigo vermelho do Comunismo". Dessa vez não prendemos, torturamos, exilamos ou matamos aqueles que se opõem; mas simplesmente os excluímos, olhamos com desprezo e repressão. Se desejamos a liberdade, para que criarmos tantos padrões inúteis? Será que a única liberdade que queremos é a de imprensa? Que, aliás, está cada vez pior aqui na América Latina, onde uma onda de chavismo e bolivarianismo tem se espalhado. A liberdade de credo não é respeitada, o que se vê é um degladiação entre as religiões. Cristãos condenam as práticas do candomblé, judeus e mulçumanos morrem em guerras são exemplos clássicos. Eu ainda me pergunto, existe uma instituição que tolhe mais a liberdade que a própria Igreja? Ao meu ver, não há. Para mim, Igrejas e Templos protestantes são antros de corrupção, intolerância e terrorismo (sim, estou generalizando mesmo). Basta lembrar que setores da Igreja Católica apoiaram o golpe militar ocorrido aqui em 1964. E para piorar, onde estava o moralismo católico durante a Segunda Guerra Mundial? E que os protestantes não fiquem cheios de si, a religião de vocês é tão corrupta quanto a católica. Cheia de falsos moralismos e pensamentos ridículos que eu prefiro nem citar.

Liberdade é algo inatingível. Há quem diga que os pássaros são livres e seu vôo simbolize esse ideal. O problema é que aves não têm consciência do que seja liberdade. Voam por uma necessidade biológica. Mas a imagem e sua simbologia são perfeitas, não nego. Outros dizem que somente loucos são livres. Discordo. Esses estão tão presos em sua própria loucura que não poderiam nunca o ser. Cheguei ao final do texto e não respondi a minha pergunta inicial: "afinal, o que é ser livre?". Nunca poderei dar uma resposta, mas deixo aqui o que penso: cada um é tão livre quanto acredita sê-lo.


Ah, quanta vez, na hora suave

Ah, quanta vez, na hora suave
Em que me esqueço,
Vejo passar um voo de ave
E me entristeço!

Porque é ligeiro, leve, certo
No ar de amavio?
Porque vai sob o céu aberto
Sem um desvio?

Porque ter asas simboliza
A liberdade
Que a vida nega e a alma precisa?
Sei que me invade

Um horror de me ter que cobre
Como uma cheia
Meu coração, e entorna sobre
Minha alma alheia

Um desejo, não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei quê do voo suave
Dentro em meu ser.

Fernando Pessoa.

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